Caleidoscópio de Beleza
Krzysztof Kieślowski assinou “Rouge”, a coprodução Polaca, Suíça e Francesa que seduziu o mundo num sopro de deslumbramento no já distante ano de 1994, encerrando ainda de forma misteriosa e súbita a filmografia do realizador de “A Dupla Vida de Veronique”, que não mais voltaria a realizar mais nenhum filme, depois deste belíssimo e sofrido testemunho do que o cinema é capaz quando nas mãos de um verdadeiro mestre, um profundo conhecedor da sua arte, dominando por completo a sua linguagem e método.
Valentine, a personagem interpretada pela belíssima Irene Jacob, atropela por acidente um cão no seu caminho de casa, ao devolver o cão ao seu dono, conhece o seu estranho espelho, um homem envelhecido e amargurado por uma história de amor falhada, e com ele começa um jogo labiríntico de auto conhecimento mútuo; ele despindo-lhe o futuro numa frase enigmática dita lá para o meio do filme: “Sonhei que um dia acordavas feliz…e não estavas sozinha…”, a cena comovente e central desta obra prima do cinema contemporâneo onde estas duas personagens se acabam formalmente por despedir. Tenho sempre a tentação de pensar que “Lost in Translation” de Sofia Copolla se inspirou em “Rouge” em particular na criação deste dueto de personagens que partem como dois completos desconhecidos, criando no final uma intimidade para além do sexo, para além da amizade, algo inexplicável como o amor (?); não sei se efectivamente isso é verdade ou não, nem me interessa muito, sou franco, interessa-me muito mais este caleidoscópio tremendo de beleza fotográfica e cinemática que é “Vermelho”, um filme sobre a intimidade, as memórias e o destino, simbolizado pelo enigmático plano final do filme, a colagem ao cartaz publicitário de Valentine em fundo vermelho, o ciclo onírico do seu interlocutor, e o destino das personagens que se encerra naquela momento.
Um filme de uma beleza que nos esmaga por completo e absolutamente imprescindível na prateleira de qualquer cinéfilo.