A nova eletricidade

A nova eletricidade

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Ciclicamente regressa dos mortos prometendo um mundo novo, mas entra nas nossas vidas exactamente com a mesma lógica que entraram os motores a vapor no século 19, substituir mão de obra, automatizar e reduzir custos, a velha lenga lenga que anda em loop desde sempre; dizem os engenheiros da Google no entanto que agora é que é, agora sim, agora é que temos a velocidade de processamento necessária para as rotinas de retropropagação de dados de “reforço” nos nós dos monstruosos modelos de dados, ambiciosamente baptizados desde os anos 60 de redes neuronais, mas que paradoxalmente pouco ou nada têm a ver com o sistema neural que você que lê estas linhas possui dentro dos miolos. A ideia é simples, imagine que consegue ligar cada pixel de uma imagem a um sistema de nós e daí para a frente vai interligar esses nós com outras camadas com mais nós, e mais nós, milhares, milhões, biliões, organizados em camadas, mas, e aqui reside o “twist”: na última camada, vamos chamar “saída”, só pode ter dois nós, um chamado “boi” e outro “vaca”; à partida não se vai importar com mais nada do que com dois aspectos: os nós entre camadas têm de estar todos interligados e em cada uma dessas ligações vai lá colocar um número entre 0 e 1, ou entre 0 e 100 (se quiser pensar em percentagem), vai lhe chamar peso, ou válvula, ou o que quiser, também não é importante, e a seguir vai fazer o seguinte: vai ao início da rede, aquela que tinha os pixeis ligados ao primeiro modelo, e vai lhe mostrar uma imagem de uma cadeira, e vai esperar até a leitura digital se propagar por todas as camadas da rede e sair na “saída”, nessa altura vai decidir o que mais se aproxima de uma “Vaca”, e vai decidir pela primeira vez que é essa imagem de uma cadeira, a seguir pergunta à rede qual foi o caminho percorrido por todas as interligações para chegar a “Vaca”, e vai reforçar esse caminho aumentando cada um dos pesos dessas interligações, a isso se chama retropropagação; da próxima vez que voltar a aparecer uma cadeira, a rede neuronal vai, como é esperado, achar que é uma Vaca, mas agora você vai repetir o teste com um gato, e com uma galinha, e com um pato, e com a Mona Lisa, e com…e por aí fora, e em cada uma dessas vezes você vai avaliar cuidadosamente o resultado e retropropagar os pesos por toda a rede reforçando as interligações que provocarem uma resposta mais próxima da certa, e por consequência, cada vez mais aproximar o sistema, como um todo, de vir a acertar no que é de facto uma Vaca ou um Boi; depois de repetir biliões de vezes este processo, no final, e foi isto que os cientistas da AI descobriram de interessante, você vai acabar com um modelo automatizado baseado em redes neuronais que reconhece uma Vaca, ou um Boi com um grau de fiabilidade comparável a algo semelhante a “inteligência”.

O centro de investigação em AI Restrita da Open AI nas instalações da Google

Claro que este sistema só faz isso, rigorosamente mais nada, não fala consigo, não vai consigo ao futebol, etc… os avanços da AI, apesar de incríveis, e há coisas mais incríveis na ciência moderna, desculpem, apesar de parecerem espectaculares estão a décadas de por exemplo produzirem um autómato que faça uma coisa simples como ir buscar cervejas ao frigorífico e provavelmente a um século ou dois de conduzirem um carro na estrada, para dar dois exemplos de fracassos estrondosos da AI actual. O caminho do Deep Learning e de outras técnicas da chanada AI restrita (a AI geral é a inteligência artificial antropomórfica semelhante à humana, e essa ainda é simplesmente ficção científica) ainda está muito afastada da neurociência e necessita de quantidades massivas de dados para funcionar, de complicadissimos e despendiosos sistemas de refrigeração para evitar que os biliões de núcleos de processamento derretam os datacenters durante o seu funcionamento. Tudo isto delimita o potencial de evolução da tecnologia a não ser que algo de verdadeiramente revolucionário aconteça, e que teima em não acontecer. A AI moderna continua a abrir caminho por entre temas como a automatização de stocks em armazém, lojas de fast food, linhas de assemblagem em chãos de fábrica, tudo tarefas desumanas de baixíssimo investimento intelectual e ambientes muito controlados; e mesmo na aparência de sistemas como o ChatGPT da OpenAI se torna claro que se trata apenas do Google Search on steroids, brut force de uma quantidade massiva de dados em contexto, sistemas de ajuda à decisão mas sem nenhum lampejo de abstração ou extrapolação caraterística de um sistema de AI geral.