O Big Bang

O Big Bang

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Já alguma vez estiveram na beira de uma estrada simplesmente a deixar passar o tempo? Minutos lentos vendo o frenesim do tráfico como sangue escorrendo pelas veias da cidade? Se sim, há uma coisa que todos recordamos: o som, o bulício histérico do tráfego fervilhante, aquele som de fundo estridente dos carros passando a grande velocidade, rumo ao seu destino. O som como um guinchar agudo que vai aumentando de tom para depois se tornar grave e abafado, até se deixar de ouvir. A maior parte de nós já o ouviu pelo menos uma vez na vida, talvez num daqueles dias no apeadeiro do comboio, que passou a grande velocidade, e aquele som, acontecendo da mesma forma e padrão: aumentando e ficando mais agudo quando se aproxima para depois se modular num som grave e abafado até desaparecer. Sempre a mesma coisa, da mesma forma.

Isto acontece porque se trata de um facto da natureza e do universo, chamado Efeito Doppler. Uma onda de som emitida por um objecto em movimento que se aproxima do receptor é comprimida na direcção do movimento, e esticada quando o objecto se afasta dele. Ondas de som comprimidas diminuem o seu comprimento de onda, tornando-se mais consecutivas, aumentando a sua frequência, se por outro lado forem esticadas, o comprimento de onda aumenta, diminuindo a sua frequência. E como nos soam ondas de som de alta frequência? Agudas, ou de High Pitch como se diz na engenharia de som, e ondas de som de baixa frequência soam graves, ou em Low Pitch. Por isso, sempre que qualquer objecto se aproxima de nós emitindo som, ouviremos sempre aquele padrão característico, o “píííííííóóóóóó” do Efeito Doppler sobre as ondas .

Acontece que o Efeito Doppler é uma lei da natureza e aplica-se na verdade a qualquer tipo de onda, seja ela de som ou electromagnética. A própria luz, que é transmitida por partículas sem massa chamadas fotões tem também carácter ondulatório e pode ser entendida como uma onda electromagnética propagando-se no vácuo, a cerca de Latex formula, a velocidade da luz. E também as ondas de luz são comprimidas na direção do movimento quando o objecto que as emite se aproxima de um observador, e distendidas quando se afasta. Uma onda de luz de alta frequência, dentro do espectro da luz visível, irá parecer azulada (Blue Shifted) quando se aproxima de nós, e de baixa frequência, avermelhada (Red Shifted), quando se afasta. Na verdade, ondas de luz, de rádio, micro-ondas ou Raios-X, são tudo várias faces do mesmo fenômeno: ondas electromagnéticas, fotões em trânsito defronte dos nossos olhos, à velocidade da luz. A razão porque o nosso filho ou sobrinho não nos parece azulado quando corre para os nossos braços no seu dia de anos, ou no Natal na altura da prenda, é simplesmente porque a velocidade da luz é inimaginavelmente mais rápida que ele, e a sua imagem nítida nos atingirá muito antes de notarmos qualquer perturbação no Pitch da sua frequência de luz. Mas ela está lá, simplesmente não a conseguimos ver.

Se imaginássemos um mundo de luz lenta, em que a velocidade da luz seria, por exemplo, Latex formula, o efeito Doppler seria notório, fazendo daquele fim de tarde sobre a auto-estrada algo completamente diferente e provavelmente inolvidável; um espetáculo de luz de cortar a respiração, com os carros a mudarem do azul ao vermelho e vice-versa, um testemunho cósmico sobre a natureza da luz. Mas existe na natureza um sítio onde os objetos se deslocam a velocidades inimagináveis comparáveis à velocidade da luz. Objetos tão distantes e tão grandes que nos parecem suspensos na imensidão do nada. Esses objetos chamam-se Galáxias e quanto ao sítio, basta olhar para cima: chama-se Universo.

Edwin Hubble, um astrônomo estadunidense, passou vários anos da sua vida registando em placas fotográficas a luz proveniente de galáxias distantes, decompondo o seu espectro de luz, efetuando a espectroscopia do universo observável a partir do seu telescópio no monte Wilson, perto de Los Angeles. Quando comparou as pequenas placas com espectro de luz de centenas de galáxias percebeu algo verdadeiramente assombroso: todas elas, sem excepção, fosse qual fosse a sua origem no cosmos, tinham o seu espectro deslocado para a gama de baixas frequências, ou seja, Red-Shifted. Todas as Galáxias, as suas estrelas, possivelmente as nebulosas e todos os objetos no universo se estavam a afastar de nós. Hubble calculou a seguir as suas velocidades de escape e o seu rosto deve ter ficado da cor da cal quando pousou a caneta e olhou os seus cálculos. O que ele descobriu mudaria a física, o mundo e a humanidade para sempre.

Quanto mais longe estavam as Galáxias, mais depressa se afastavam. O Universo está em expansão.

E se as galáxias, as nebulosas, os misteriosos quasares, e tudo o que podemos observar se está a afastar de nós, e sendo óbvio que a terra não é o centro do universo (disso podemos estar certos), implica que algures no passado, tudo isto, o nosso planeta, todas as estrelas, poeira, planetas e matéria de que são feitos, e mais aquilo que ainda não vemos, conhecemos ou medimos, tudo isso estaria concentrado num único ponto. O princípio do tempo e do espaço.

O trabalho de Hubble, conjuntamente com o de Fred Hoyle, Albert Gamow e muitos outros abriu caminho à Teoria do Big Bang. Aliás, o termo não é muito feliz, porque o Big Bang a ter existido, não foi Big, nem houve nenhum Bang. Os físicos a este respeito gostam de falar em expansão sem limite nem centro. De que raio estão eles a falar?

Imaginem um mundo em que existem não três dimensões, mas sim duas. Vou-lhe chamar a Planilândia (como citada por Carl Sagan na sua obra prima “Cosmos”, a propósito do texto de Edwin Abott). Nesse mundo plano, habitam seres planos, que vivem nas suas cidades planas, vivendo as suas vidas achatadas. Mas um desses habitantes planos era alguém completamente fora do normal, um físico louco e aventureiro que decide um dia, imaginem, explorar o seu universo. Imaginando que o nosso físico louco teria uma nave plana suficientemente avançada para sequer sonhar em chegar ao fim do planiverso, e que o planiverso seria infinitamente mais pequeno que o nosso universo, que lhe aconteceria durante a sua viajem, se, imaginemos, o seu universo plano não fosse na realidade plano, mas encurvado numa misteriosa dimensão física superior, completamente desconhecida da planilândia e do nosso intrépido explorador: a chamada Terceira Dimensão? Lembrem-se que do seu ponto de vista, sendo um ser plano, a terceira dimensão está completamente fora da sua experiência ou alcance, já que ele e todos os seus amigos estão presos no seu planiverso a duas dimensões, só se pode andar em frente, para a esquerda, direita e para trás, ninguém faz ideia onde é “encima” e “embaixo”, nem essas palavras existem ou fazem sequer sentido. A misteriosa terceira dimensão é uma coisa dos filmes sci-fi e dos matemáticos, gente estranha que ninguém ouve, felizmente. Os anos passam e passam… e a viajem do nosso explorador achatado está perto do fim. Algures num longínquo futuro, ele desceria da sua nave para verificar, horrorizado, que apesar de ter feito a viajem sempre “em frente”, sem nunca ter mudado de direção, voltou misteriosamente ao mesmo sítio de onde partiu. Que se passou? Como era isto possível?

Só havia uma conclusão a tirar, que provavelmente seria dada por um físico louco da Planilândia: O planiverso provavelmente não era a duas dimensões, mas encurvado numa terceira dimensão física. Sob o seu ponto de vista, o nosso viajante fez uma viajem rumo ao desconhecido sempre na mesma direção, sem saber que na realidade circum-navegava a superfície tridimensional do planiverso até um dia voltar ao exato ponto de onde saiu. Desde há muito que os físicos da planilândia falavam de um universo em expansão sem centro, inacessível no “interior” da sua superfície hiper-dimensional, mas como sempre, ninguém quer saber dos físicos. E o planiverso está em expansão, já que as estrelas planas, e os seus mundos planos se afastavam entre si, qualquer fosse a direção de onde se medisse, sugerindo que o espaço se estava a estender com o tempo, expandindo-se e insuflando a partir de dentro, como num balão tridimensional gigantesco mas finito.

Acrescentem a toda esta história uma dimensão adicional e têm algo que se nos poderá aplicar.

Na perspectiva da ciência atual o nosso universo será algo como uma superfície quadridimensional, ou de mais dimensões superiores, não sabemos, expandindo-se rapidamente a partir do seu centro, completamente inacessível num passado distante, algures na 4ª dimensão. O que percepcionamos como passagem do tempo, talvez seja apenas um reflexo dessa misteriosa dimensão adicional no nosso mundo limitado a três dimensões, não se sabe ao certo. O desvio para o vermelho das galáxias é a prova de que o universo está a insuflar, criando mais espaço entre o espaço, e por isso, quando olhamos em volta, em qualquer das nossas quatro direções, vemos que tudo se afasta de nós a grande velocidade como se nós fossemos o centro do universo, sem o sermos. Uma boa analogia é a imagem dum balão hiper-dimensional a encher, em que as galáxias, estrelas, planetas e nós mesmos, são apenas pontos afastando-se entre si na sua superfície tridimensional. Por isso, o nosso universo é infinito e sem centro. E o Big Bang não foi “Big”, porque tudo começou numa singularidade infinitesimal, de densidade e temperatura infinitas, algures num passado distante, e muito menos houve algum “Bang”, já que não foi a matéria das estrelas que subitamente irrompeu de algum ovo cósmico primordial, mas sim a matéria e o próprio espaço que se começou a expandir em todas as direções.

Não há nada que possamos alguma vez compreender que esteja fora da nossa superfície tridimensional, nem antes do Big Bang. Tudo isso faz parte de outras dimensões do espaço-tempo que nos são completamente inacessíveis. Mas como a velocidade da luz é finita, olhar as estrelas no céu é olhar para trás no tempo. Quando vê-mos uma estrela a 50000 anos-luz de distância, na realidade estamos a vê-la como “era” há 50000 anos atrás. Aliás, tudo o que vemos à nossa volta é passado e já aconteceu. Um sorriso, a praia no fim de tarde, o pássaro sobre o céu azul, tudo isso é passado, tudo isso está talvez na quarta dimensão, algures lá atrás, num espaço-tempo que já aconteceu antes da sua luz chegar até nós.

Se olharmos suficientemente longe no espaço e no tempo, poderemos ver o Big Bang e tirar-lhe um fotografia?

As sondas COBE, WMAP e Planck foram lançadas com a missão de olhar o mais longe possível no espaço e no tempo, na tentativa de medir a radiação cósmica de fundo, a mais antiga luz que poderá alguma vez ter existido. O que encontraram foi um rasto já muito destorcido pelo tempo e pela distância, na zona de espectro das micro-ondas. Uma luz invisível transformada numa radiação de micro-ondas, um calor residual que permeia todo o universo com o valor aproximado de 3 Kelvin. Ainda hoje o podemos captar no rádio do nosso carro, o ruído de fundo entre emissoras é a sua assinatura. O eco distante da criação.

O WMAP olhou para trás no tempo e tirou esta foto do Universo com pouco mais de 300000 anos.

Para além do RedShift das galáxias e da radiação cósmica de fundo, o Big Bang foi sendo corroborado por inúmeras descobertas nos últimos 50 anos no campo da física experimental, por isso a maior parte dos cientistas acredita ser de longe o melhor modelo para a criação do nosso universo de que dispomos até ao momento. A descoberta e medição da radiação cósmica de fundo, permitiu calcular a idade do universo em cerca de 13,8 biliões de anos, mais coisa menos coisa, bem como flutuações nessa temperatura que sugerem diferenças mínimas na densidade de matéria na época em que essa luz terá sido emitida há vários biliões de anos atrás. Essas pequenas flutuações de densidade são a chave para explicar de onde vieram as estrelas, as galáxias, e nós próprios. O Modelo do Big Bang contudo, não nos leva além da época da radiação cósmica de fundo, antes disso, outro tipo de física foi necessária inventar de forma completar o modelo. Antes de t=380000 anos, o universo seria algo de muito estranho que escapa completamente à mais delirante das imaginações. O domínio enigmático e evocativo da supersimetria, da inflação cósmica e da física quântica.

Tudo terá começado com uma singularidade, um vácuo simples e simétrico, sem forma, super denso e quente, num tempo sem tempo há cerca de 13,8 biliões de anos, na chamada Era de Planck. Quando a simetria do vácuo se quebrou e a força da gravidade se terá separado da unificação das quatro forças da natureza, o universo entrou em movimento expandindo o espaço e o tempo. Nos primeiros Latex formula s desta história, nada poderia ter existido que conheçamos ou possamos medir, é um lugar de sonhos e especulações. O vácuo seria um lugar turbulento, onde partículas estranhas, entre elas o hipotético gravitão, surgiam e desapareciam vindas de outras dimensões ou universos, flutuações quânticas em gamas de energia inimagináveis. Na tentativa de resolver alguns problemas do modelo relacionados com a forma do universo e a sua isotropia térmica, foi proposto que o universo terá sofrido por volta dos Latex formula s uma transição de fase do vácuo que provocou uma expansão catastrófica a velocidades próximas da velocidade da luz, ou mesmo superiores, conhecida como Inflação Cósmica. Entre os  Latex formula s e o primeiro segundo a radiação libertada no final da inflação foi convertida nas partículas elementares, de uma forma que compreendemos apenas parcialmente. Logo a seguir, as tremendas pressões do universo híper-denso uniu os quarks e gluões dando origem aos bariões e hadrões, a que se seguiram os protões e neutrões e os primeiros núcleos atômicos. Depois disso, os electrões foram capturados pelos núcleos formando o Hidrogênio, o Hélio e possivelmente o Lítio, os primeiros elementos. Quando o universo arrefeceu até aos 3 Kelvin, 380000 anos depois do seu início, os fotões desacoplaram-se da matéria densa que permeava o espaço-tempo e o cosmos ficou transparente. Essa luz fantasmagórica viajou dezenas de milhões de anos no tempo e no espaço até à antena do WMAP, e finalmente então, podemos tirar a nossa fotografia.

Durante a era da Inflação, surgiram pequenas flutuações na distribuição de densidade de matéria que foram  sendo amplificadas com o passar do tempo e da expansão até ao ponto de serem tão grandes que a gravidade as terá feito colapsar, originando as primeiras estrelas e posteriormente, as primeiras galáxias. As primeiras estrelas teriam sido gigantescas, do tamanho do nosso sistema solar ou ainda maiores, muito instáveis e de período de vida muito curto, convertendo todo o seu hidrogênio em hélio a grande velocidade. Como eram tão massivas, logo que o hidrogênio se acabasse seria-lhes impossível manter o delicado equilíbrio entre o fogo nuclear interno e a tremenda força gravítica das camadas exteriores fazendo com que a estrela literalmente desabasse sobre ela própria num cataclismo conhecido como Super-Nova. As pressões e temperatura no núcleo durante estes últimos instantes da estrela continuariam a fundir elementos cada vez mais pesados, entre os quais o oxigênio e o carbono, os elementos que dariam origem mais tarde às cadeias de proteínas, a todos os seres vivos e nós próprios também.

Apesar deste ser o melhor filme de como tudo poderá ter acontecido, muitas questões ainda não têm resposta e suspeita-se que muitas mais ainda nem sequer foram formuladas. Enigmas e mistérios profundos que são em certa medida uma aventura de auto-conhecimento, porque o Big Bang acabou aí dentro…atrás dos olhos que lêem estas linhas (“olá!..”), e dentro de cada um de nós, o mais longe que o universo conseguiu chegar.

Perguntas, deslumbramento e aperto no coração quando nos sentimos esmagados por este lugar evocativo e maravilhoso. Perguntas que são o nosso destino.

De onde veio o movimento inicial? O que estava lá antes? De onde veio a energia da Inflação Cósmica? O que é o Vácuo? O que é a Energia Escura? O que é a Gravidade? O que é a Matéria Negra?…

A cosmologia inflacionária levou-nos o mais perto possível do momento da criação. A um ponto em que não existem perguntas fáceis, na fronteira do que poderemos alguma vez compreender.