Contacto!

Contacto!

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Lembro-me da primeira vez que estive perto de um golfinho quase ao ponto de o tocar. Olhei bem naqueles olhos vidrados  e insondáveis, como os de uma boneca, estranhamente despidos de qualquer emoção. E senti algo de muito estranho, que me afectou profundamente: algo que ia além daquele simples olhar, uma espécie de conexão fantasmagórica, um laço esotérico que me ligou aquele animal de olhos inexpressivos e frios de uma forma que nunca antes tinha acontecido com qualquer outro. Já em casa, ruminando aquele episódio tocante, percebi o que tinha acontecido. Havia algo atrás daqueles olhos sim, e aquele olhar aparentemente despido de emoção, perscrutou-me com curiosidade, tentou-me perceber e entender, tal como eu o tentei fazer também; do outro lado havia algo que me ligava e conectava. Chama-se inteligência.

Tinha estabelecido contacto.

Existirá algures nas estrelas inteligência como a daquele golfinho, ou até equivalente à nossa, pronta a estabelecer uma ligação? Talvez até nos visitar, trocar conhecimento, ciência, entendimento do universo e das nossos origens mútuas? Poderá isto alguma vez acontecer? Teremos sido alguma vez visitados no passado? E será que alguma vez o seremos no futuro, ou por outro lado encontraremos nós, algures nas estrelas, alguém com quem falar?

drake

Olhe a equação acima (equação de Drake), nela se traduz o número provável de civilizações inteligentes na nossa galáxia. E é tudo a multiplicar; os factores que intervêm vão desde o tempo esperado até ao desenvolvimento da inteligência em si, até fatores como o nº médio de planetas em órbita propícios à vida, até ao nº de estrelas na nossa galáxia. Não é preciso ser um mago da matemática para perceber que o resultado final vai ser bastante grande, por muito que restrinja ao mínimo cada um dos seus factores. No final encontrará um número na casa dos milhares, ou mesmo até milhões. Milhões de civilizações só aqui, no nosso bairro galáctico, e isto até não levando em conta que provavelmente algumas destas potenciais civilizações inteligentes poderão deixar os seus mundos de origem e colonizarem outros ponto da galáxia. Parece muito optimista, mas na realidade não o é. Na realidade, esta equação é dramaticamente realista: provavelmente existem mesmo milhões, ou mesmo biliões de civilizações inteligentes neste momento algures nas estrelas, a questão é que o nosso universo, e a nossa galáxia, são imensamente grandes, muito maiores do que a mais prodigiosa imaginação humana poderia conceber. E é muito difícil, quase impossível, encontrar alguém nesta imensidão de espaço e tempo. A estrela mais próxima da terra, o nosso Sol, está a cerca de 8 minutos luz de nós, isto significa que um diálogo mínimo, um “olá, tudo bem?”, por exemplo, de alguém a essa distância com um astronauta na órbita terrestre demoraria cerca de 16 minutos. A seguir ao Sol, a estrela mais próxima, Alpha Centauri, está a cerca de 4 anos luz da Terra; uma mensagem emitida na sua direcção demoraria mais de 8 anos a ser respondida, e um diálogo estender-se-ia por décadas. Mas a Alpha Centauri é “já ali” no mapa galáctico. Os principais sistemas extra-planetários identificados pela sonda Kepler, como planetas candidatos a vida (não propriamente vida inteligente) estão a distâncias na ordem das centenas, ou mesmo milhares, de anos-luz da Terra. Provavelmente uma mensagem vinda do sistema de Vega, a 25 anos luz do nosso sistema solar, ficaria sem resposta, não valeria a pena aliás responder; uma civilização avançada o suficiente para dominar a radioastronomia provavelmente enviaria uma mensagem auto-explicativa, com um conjunto de instruções acerca da localização do seu mundo, e provavelmente com instruções de como lá chegar fisicamente, vencendo a distância, e mais importante, o tempo. Os cientistas modernos de hoje que integram os programas de busca de inteligência extraterrestre,  perscrutam incessantemente a vastidão do cosmos na busca de um sinal que não possa ser relacionado com qualquer fenómeno natural como Estrelas de Neutrões e Pulsares. Mas até hoje, depois de décadas de pesquisa, nada. Nem um sinal, nem uma pista, nada. Mas este facto não esmorece minimamente a comunidade científica; sabe-se que um dia entraremos em contacto, ou seremos visitados, das duas uma. Numa escala de tempo de alguns milhares de anos isto é medianamente provável, mas numa escala de tempo maior, poderá ser inevitável.

O problema de fazer uma viagem interestelar não é vencer a distância, mas sim vencer o tempo.Teria de ser desenvolvida uma nave, uma máquina, que se movesse através do espaço-tempo a uma fracção considerável da velocidade da luz, isto para permitir que uma ou duas gerações de seres humanos pudessem chegar ao seu destino. Um máquina que atingisse uma velocidade relativística de cerca de 60 a 70% de velocidade da luz, poderia em teoria explorar os sistemas solares galácticos mais próximos, na faixa das dezenas de anos luz, em cerca de cento e poucos anos, o que equivale a algumas gerações de seres humanos. No caso de se utilizarem tripulações suspensas em criogenia (posteriormente despertadas no destino), estas viagens seriam concebíveis dentro dos padrões de sobrevida humanos. Mas a escala de tecnologia que isto envolve é de paralisar o cérebro; com o que sabemos hoje, este tipo de tecnologia pouco teria a ver com as naves dos modernos filmes de ficção científica, estamos a falar de máquinas com motores do tamanho de planetas, utilizando ondas gravitacionais, reactores planetários de fusão ou outro tipo de tecnologia que nem sequer ainda sabemos que existe. E no caso de alguém ingressar numa dessas missões interplanetárias, teria de estar preparado para uma de duas inevitabilidades: ou um dia regressar a um outro planeta terra, algures milhares de anos no futuro e cumprimentar os seus próprios descendentes, se os houvessem, ou não regressar de todo, o que seria de longe o mais provável. Viajar para as estrelas será um bilhete de ida apenas. Tudo isto pinta um cenário negro para a possibilidade de viagens através da galáxia: sabemos que é extremamente difícil e custoso, e a nossa própria civilização estará a uma distância de vários séculos até desenvolver a tecnologia adequada para fazer uma tripulação embarcar numa máquina rumo às estrelas. Mas e sermos nós visitados um dia por uma civilização vinda das estrelas?

No dia em que estive com o meu golfinho, tive vontade de lhe falar. Senti um impulso quase incontrolável de lhe contar como era o meu mundo, os meus anseios e sonhos, as pessoas  de quem mais gosto, o que sabia sobre o meu futuro e o meu passado; de onde vim e para onde iria. Como seria o mundo visto detrás daqueles olhos de boneca? Como seriam os vastos oceanos de azul a perder de vista, as ilhas perdidas num oceano de silêncio? Como sentiriam eles o seu mundo, com que linguagem se comunicavam e como expressavam carinho, ódio ou despeito? E teriam eles os meus medos, tal como eu tenho? Medo do tempo, do desconhecido, da morte? Apesar de muito inteligente, um golfinho está bastante atrás dum ser humano no nível de inteligência; desconfia-se que poderá ter algum nível de abstracção e algum raciocínio mais complexo, mas na essência têm um nível cognitivo comparável a uma criança de 3 ou 4 anos. O que eu lhe poderia dizer estaria pois muito limitado, não pelo que eu lhe poderia transmitir, mas pelo que ele poderia alguma vez compreender. Por muito que tentasse, nunca o poderia fazer entender o que era o amor, a saudade, falar-lhe das estrelas ou do universo, ele nunca iria poder compreender: para ele, o seu mundo, o seu cosmos, estava circunscrito ao seu oceano azul. Entre mim e um golfinho distam cerca de 2 ou 3 milhões de anos de evolução, ou talvez menos. O que me separaria de uma civilização que domina-se completamente as viagens interestalares? Que controlasse o tempo, o espaço e a gravidade quântica, que construísse máquinas mais rápidas do que a luz , que abrisse túneis relativísticos no espaço tempo, ou mesmo que se teleportasse através da vastidão do cosmos até qualquer ponto da galáxia. Bom, seria como alguém tentar falar com uma barata. E eu seria a barata.

Nikolai Kardashev, um astrofísico Russo, concebeu uma escala onde se classificou os possíveis estádios de evolução de uma civilização de acordo com o nível energético que teriam a capacidade de absorver para a sua subsistência ou actividades. Uma civilização de Tipo 0 teria a capacidade, por exemplo, de aproveitar a energia do seu planeta de forma parcial; este seria o estádio presente da espécie humana, já que queimamos combustíveis fósseis, e extraímos energia do sol ou de outras fontes alternativas. Uma civilização de tipo 2 teria a capacidade de absorver o equivalente energético de uma estrela como o sol; este tipo de civilizações potencialmente colonizaria um sistema solar, criando colónias nos planetas mais próximos, movendo planetas de órbitas, alterando rotas de cometas ou criando grandes satélites artificiais. Uma civilização de tipo 4 teria a capacidade de utilizar o equivalente energético de várias galáxias, ou mesmo do universo observável: colonizariam vários sistemas solares, dominariam tecnologias que permitiriam fundir estrelas, criar buracos negros ou outros objectos exóticos. Uma civilização como estas não estaria amarrada ao espaço nem ao tempo, e teria um domínio absoluto sobre a gravidade, permitindo o desenvolvimento de tecnologia assente na gravidade quântica e nas ondas gravitacionais, o que lhes abriria as portas da exploração intergaláctica do cosmos. Esta raça de alienígenas não teria provavelmente uma forma física, pelo menos identificável sobre o nosso ponto de vista, há muito que teriam abandonado os seus corpos, sendo agora identidades quânticas mutáveis e sem forma, habitando receptáculos temporários para as suas viagens, apenas quando necessário; e seriam imortais, até porque para eles, objectivamente, o tempo não existiria como existe para nós, humanos. A sermos um dia visitados por algum extraterrestre, com grande probabilidade, seria oriundo de uma civilização deste género, tipo 4. Mas como seria esse encontro? A ficção científica normalmente retrata os seres de outro planeta como ameaçadores e mal intencionados, interessados em explorar os nossos recursos energéticos, ou simplesmente em nos aniquilar. Mas num cenário verdadeiro de sermos visitados por uma civilização que dominasse as viagens interestelares, seria como uma barata ser visitada por um homo sapiens do século 21, não haveria muito a fazer senão esperar que viessem com boas intenções. Mas no mais que provável caso dessa civilização ser do tipo 4, é que nem se colocaria a questão de ela vir “a bem” ou a “mal”; o estádio de desenvolvimento desse tipo de seres seria do nosso ponto de vista comparável à de um Deus. E ninguém faria frente a Deus; isso por definição é impossível. O diálogo, no caso de lhes despertarmos alguma espécie de interesse especial, o que já de si é muito duvidoso, seria quase impossível e restrito à matemática ou às leis físicas conhecidas. A maior parte da sua cultura e ciência seriam completamente insondáveis para nós. Haveria contudo alguma coisa que nos poderiam tentar ensinar, ou transmitir, mas pouco ou nada que poderiam aprender connosco. Seríamos tão atrasados e insignificantes para eles que a sua estadia seria muito curta e episódica; o seu elevadíssimo grau de evolução pressupõe também elevado conhecimento sobre temas como a vida, o universo, o tempo ou a matéria; sendo assim, estes seres não teriam qualquer desígnio malévolo para com o nosso planeta ou espécie. Para eles não passaríamos duma curiosidade digna de rodapé, e teriam por nós uma simpatia equivalente à que temos nós hoje em relação aos nossos antepassados pré-históricos que habitavam as árvores na savana africana de há milhões de anos atrás.

Um Contacto com uma civilização extraterrestre, qualquer que fosse o tipo, teria contudo um profundo impacto na nossa própria civilização. Mudaria para sempre a forma como nos vemos, como nos percebemos como seres habitantes dum mundo não circunscrito, na margem dum vasto oceano cósmico, onde não estamos sós, e fazemos parte de algo muito maior e com maior significado  e propósito. E em certa medida, que define o nosso próprio destino como espécie.