Chuac-Chuac (duck face)

Chuac-Chuac (duck face)

Share

No princípio era uma ideia bonita, uma forma de aproximar pessoas, abrir janelas para a alma do outro, uma ideia no fundo idealista que só podia vir de um adolescente com a ilusão de conquistar o mundo. A ideia pegou e hoje fazemos parte de uma rede social que diz que nos liga, uma rede de redes sociais, parece. Podemos falar de nós, e termos a impressão que alguém nos lê, ou percebe, ou se importa, mas cresce a impressão que se ergueram muros em vez da tal janela para nós mesmos, a consciência global que se sonhou, estilhaçada nos mesmos medos e vícios, nos mesmos anseios e desejos. Para nos mostrar ainda mais o quanto detestamos gordos e gordas, gente feia, pretos e ciganos, era escusado. Sublinhou-se a diferença em vez do que nos une, já que no lugar do que nos aproxima, escolhemos mostrar máscaras, uma vida perfeita cheia de certezas, de sorrisos e felicidades, escondendo a autenticidade, as verdadeiras vitórias, pela saída fácil da frasesinha-recado com o sol detrás, a mentira do que queríamos ser em troco do que somos e que insistimos em guardar para nós. A julgar pelo facebook, não há fome, guerras, infelicidade, divórcios, gente desesperada…uma frase de ajuda, um grito ou um pedido engolido em seco, só gatinhos e cãezinhos felizes, sorrisos na câmera tremelicante, mais um amor, uma promessa ou conquista. Tudo a cheirar a tanga, a demais ou demenos.

Nas redes de engate, Tinder e adjacências, procura-se validação, eles e elas, depois de um dia a dia em que nada mais são que uma peça insignificante numa engrenagem muito maior e de que nunca farão parte, o bálsamo temporário para o ego atropelado por uma vida mais de derrotas do que vitórias. Tic-tac diz o tempo à medida que as rugas surgem e se sentem cada vez mais na borda do prato; por isso procuram elas já sem vergonha ou pejo, e tão desperadamente, o macho alfa com o qual possam misturar o corpo e os seus genes, o macho perfeito que tenha ficado eventualmente esquecido na prateleira até aos 40, que depois disso é já datado. Mas é impossível concorrer com as pitas que um dia também já foram, e mesmo com as trintonas com tudo no sítio, reduzido que está o engate e a paixão a meia duzia de fotos tipo passe e de corpo inteiro, e algumas frases ridículas em que no fundo ninguém acredita. E eles… perfilados na fila, vendendo-se nos perfis tipo gado, touros de cobrição, altura, peso, casado ou solteiro, profissão, conta bancária, só falta, passados à frente pelos alfas colecionadores de foda, provavelmente casados sem excepção , mas que continuam a ser prioridade na ementa de qualquer quarentona desejosa de se salvar de ficar para tia, ou ainda pior, morrer sem misturar os seus genes com um verdadeiro alfa reprodutor, um verdadeiro, que os há, além dos betas punheteiros e dispensáveis.

Do restolho dos dias, ficou isto. Frases ditas em silêncio, num ecrã decorado de emojis, de fotos cheias de sorrisos e frases que falam sobre o importante da vida, sobre sonhos e anseios, mas nunca sobre nós mesmos. Vive-se por isso a mentira preferível à crueza destes dias como fotocópias. Zapping sobre as fotos de adolescentes a empinar o cu para a câmera e a mandar beijinhos; um dia crescerão e serão mães, e estas imagens da sua juventude são como o urânio de Chernobyl, durarão décadas, testemunhos de quando tanto as mamas como as certezas eram firmes, e a natureza cooperava. Mas ninguém quer crescer e chegar aos 40, e ter de se reinventar sem olhar para trás, ou muito pior que isso: ter de estar no Tinder a fazer zapping , querendo o impossível e o que nunca terão: a viagem no tempo. Regressar ao tempo em que foram realmente felizes. É isso que procuram. Felicidade ao lado de alguém que realmente se importe e os deseje.

Algo no entanto impossível de achar em perfis decorados com máscaras.