Cenários Revisitados
Vivemos a era das frases curtas, do raciocínio sintético e auto explicativo, do “toda a gente sabe‘, das discussões onde ganha quem tem mais gente a concordar, das descargas acéfalas de testosterona nas mesas de café, pessoas que depois de falarem olham em volta a medir o impacto, o quanto “têm razão”; vivemos o tempo daquela máxima fascizoide, tantas vezes repetida: o importante não é o que se diz, é como se diz. Não é. O importante é o que se diz, claro, até porque o mundo e a vida são complicados. O discurso da extrema direita reduz tudo a chavões, a frases curtas, a punch lines fáceis de recordar, sintetizando ao máximo a confusão que é tentar perceber, entender e extrapolar. Tudo é simples e está-se mesmo a ver… Ciganos? Vivem do rendimento mínimo, Imigrantes? Vêm roubar emprego e são assaltantes, Árabes? Terroristas, Mulheres que trabalham à noite? Bando de putas, Homens? Bando de violadores em potência. Assim é mais simples, entende se, e por isso, pode-se resolver. Mas a ilusão deste discurso é exactamente a sua premissa: como reduz, é imediatamente parte do problema, um pouco como se um médico para curar uma gripe desse um tiro no seu doente…o doente morre, mas se todos os doentes com gripe morressem, a gripe desapareceria. Vive-se por isso o tempo das máximas de facebook com o pôr do sol atrás, da frase curta auto explicativa, e em especial do estranho conforto que proporciona, da sensação de conexidade com a nossa realidade, da nossa auto identificação com o mundo como o vemos e sentimos, que procuramos obsessivamente. Subitamente é inteligente quem consegue reduzir e compactar uma ideia numa máxima que esquematize, fácil de perceber, de encaixar num conceito, numa ideia, e não quem se demora na análise, quem vai fundo, quem relaciona, quem começa do princípio e passa pelo meio, quem diz que “não é bem assim“, quem estuda e se documenta.
A avidez com que toda uma geração consome sound bytes nas redes sociais é o primeiro sintoma e ante-câmara dos fascismos, o combustível fácil da raiva, do ódio e da nossa pulsão incontrolável para encontrar um culpado, uma razão, algo que nos devolva a paz mítica do entendimento e da simplicidade, quem nos fale directamente ao coração e no fundo nos diga exactamente o que queremos ouvir. Como alguém disse: a porta de exit mesmo ali ao lado. Mas a vida, o mundo e o universo são muito complicados. Não existem bons nem maus, existem histórias, contextos, momentos e processos e tudo faz parte desse micro segundo em que somos chamados a decidir, a formar uma ideia ou um conceito, a procurar a verdade.
Se alguém disser que a terra é plana, ou que desconfia que os que dizem que é redonda fazem parte de uma conspiração, isso … acaba por ser um pouco evidente, basta olhar em volta, está-se mesmo a ver, mas se lhe quiser explicar que é redonda, vou ter de lhe ensinar o que é a gravitação, geometria básica e alguns fundamentos de astronomia, ele vai ter de ter paciência, calma e não ceder ao que parece, vai ter de estudar e se interessar verdadeiramente pelo assunto, e mais importante: colocar tudo em causa, desconfiar do que toda a gente sabe e vê, ter a mente aberta e estar pronto para aceitar a verdade como uma revelação. Não vai caber num post do facebook. Não vai ser um sound byte. Não vai vender. Não vai vender como vende Bolsonaro, ou Trump, gente que fala directamente ao coração da sua audiência, que parece tornar tudo óbvio e simples, entendível, rápido, fácil de resolver, com receitas e rótulos para tudo e toda a gente.
Temo muito este mundo feito de pessoas que procuram saídas fáceis. Gente que cede ao medo. Gente com uma raiva miudinha que cresce dia a dia como uma erva daninha. As sementes do ódio.