Quem foi Jesus Cristo?
Existe o relato da vida de alguém que terá vivido há pouco mais de 2000 anos na Judeia (mais ou menos na actual Palestina e Israel), existem também alguns documentos perdidos no tempo que sugerem que esse alguém poderá corresponder à personagem central do Evangelho de Mateus escrito entre 70 DC e 100 DC e pouco mais. Tudo o resto está ainda hoje envolto em controvérsia e mistério. Terá Jesus Cristo existido? Terá sido Judeu? Quem era Maria? Foi Jesus Cristo crucificado?
Ninguém sabe ao certo.
Os mais antigos e tidos como fidedignos relatos que referem explicitamente a existência de um rebelde Judeu chamado Jesus foram escritos por Flávio Josefo entre 37 DC e 80 DC, inserindo-o numa série de escritos sobre as guerras de Jerusalém. Neles se conta a terrível história do povo Judeu, sujeito à exploração dos dignitários do sagrado Templo e à submissão perante Roma, durante os longos anos de ocupação. É descrita uma cidade profundamente dividida entre o ócio da nobreza religiosa Judaica e a extrema pobreza da população, o palco montado para uma rebelião liderada por um homem que conduziria o povo Judeu numa sublevação contra a injustiça, a hipocrisia da autoridade religiosa e a potência ocupante: a Roma Imperial de Pôncio Pilatos.
A profecia Judaica da chegada do salvador, o Messias, que os guiaria rumo à libertação da opressão e injustiça, é antiga. Essa figura messiânica assume aliás contornos apocalípticos no 1º evangelho de Mateus. Paradoxalmente ao que se poderia pensar, a chegada de Jesus surge descrita como um castigo, e não como uma salvação. O Messias traz consigo a total destruição do Templo e da cidade, do mundo, e da punição dos homens que o corromperam. O facto de os seguintes evangelhos, Marcos e Lucas amenizarem esta visão distópica da chegada de Jesus Cristo é motivo de muita discussão entre os historiadores, que o referenciam como o autor do desvio inicial e decisivo entre a perspectiva Judaico-Cristã e o Cristianismo Moderno. A profecia refere um homem que atravessaria a porta sul do Templo, montado num burro e guiaria o povo Judeu numa revolta contra os Clérigos corruptos e decadentes, e por arrasto, contra Roma, o império despótico que desde há quase um século oprimida violentamente todo o povo da Judeia. Esse homem seria o Cristo Judeu, “Khristós“, palavra grega que significa “o ungido”, ou “o que tem o toque de Deus”, o salvador. E houveram bastantes, seguramente mais de uma centena nesta época tumultuosa. Todos vieram e partiram, acabando sempre da mesma forma, sofrendo o mesmo castigo destinado pelos Romanos aos simples arruaceiros; o de serem crucificados na cruz. Deles não reza a história, provavelmente foram de tal forma irrelevantes para o Império Romano que mais não passaram do que uma nota de rodapé, não chegando até aos nossos dias nada escrito sobre eles. Então, que teve este “Khristós” de tão particular?
Há pouco mais de 2000 anos, no ano 1 ou 6 DC, uma mulher Judia foi encontrada abandonada, e grávida, por José da Nazaré, um carpinteiro local. Quem era esta mulher? Porque foi encontrada abandonada e sozinha? Em nenhum lado dos escritos antigos se encontra qualquer descrição sobre quem era, a não ser o seu nome: Maria. Uma mulher grávida que fosse abandonada na época contemporânea a Jesus Cristo teria invariavelmente um destino: o de ser apedrejada até à morte, já que isso significava uma gravíssima desonra caída sobre a sua família e marido. Parece por isso pacificamente aceite entre os historiadores modernos que Maria seria uma fugitiva, provavelmente da família do marido, ou das gentes da sua aldeia ou comunidade, sob pena de morte. Em nenhum lado se descrevem as razões da sua fuga, nem de onde vinha. Partindo do principio que estava a pé, pode-se especular que não viria de longe do sítio onde terá sido encontrada, na Nazaré, no norte da Israel atual. Muitos especulam sobre esta mulher fugitiva, carregando no seu ventre o futuro salvador dos Judeus. Poderia Maria carregar um filho de uma relação fora do casamento? Se sim, quem seria na realidade o pai de Jesus Cristo? Estas questões passam ao lado da história contada na Bíblia, no Alcorão e nos Evangelhos, na qual Maria teria sido inseminada pelo Espírito-Santo, desvinculando logo à partida a Maria histórica, a mulher fugitiva encontrada perto da Nazaré há mais de 2000 anos, da Maria Cristã, a sagrada Maria, portadora do bebé divino, Jesus. Pergunto-me qual a razão fundamental para Maria ter dado à luz Jesus ao fim de nove meses, como qualquer mulher, não poderia Deus ter feito Jesus, o Messias, simplesmente..aparecer? Penso que poderá haver uma razão simples, relacionada com a época particular em que Jesus viveu e o contexto religioso Hebraico.
No templo de Jerusalém, os sacerdotes chapinavam gotas de sangue no chão, perto de uma cortina gigantesca, acreditando que o espírito de Deus se manifestava detrás dela. Por todo o lado, na cidade, faziam-se sacrifícios de ovelhas e carneiros em honra do Deus omnipresente e todo-poderoso. A fé assumia pois uma forma de culto bem diferente da que poderíamos imaginar no nosso século. Misticismo e religião confundiam-se em rituais evocativos e sanguinolentos, ao mesmo tempo que se cultivava uma obsessão quase doentia pela pureza. Os mortos, o cúmulo da impureza espiritual, eram renegados para longe da convivência mundana, enterrados em baldios afastados das muralhas da cidade, e todos os Judeus praticavam um ritual obrigatório: o banho purificador. Não havia na época de Jesus nada mais impuro do que o corpo de uma mulher. O período, por exemplo, era tido como uma manifestação do mal em estado puro e o acto sexual era conotado com manifestação demoníaca, com o homem terreno em contraponto ao ser etéreo e puro, próximo de Deus. A virgindade nas mulheres era por isso motivo de culto e valorização. Penso que todo este caldo cultural em relação à pureza física e espiritual, no que às mulheres diz respeito em particular, fez com que o relato da história de Jesus da Nazaré, omitisse um facto extremamente incómodo para os Judeus de há 2000 anos: a não virgindade de Maria, ou a sua concepção em pecado, preservando dessa forma a sua pureza espiritual, um dos factos centrais na fé Cristã.
No dia do nascimento de Jesus, uma estrela brilhava no céu. Alguns escritos referem com alguma precisão a sua posição no céu como sendo na constelação de Ares, no norte do hemisfério. A moderna tecnologia astronómica permite uma regressão até à reconstrução aproximada do céu no dia em que Jesus nasceu no ano 1 DC. O mais espantoso é que um corpo celeste se elevava de facto na posição descrita nos escritos e na Bíblia. Mas não era uma estrela, mas sim um planeta: Júpiter. Uma conjugação particular da posição da Terra em relação ao Sol e ao planeta Júpiter fez com que se aproximasse da órbita terrestre de tal forma que se tornou extremamente brilhante, especialmente no hemisfério Norte e à noite. Este facto, juntamente com outras concordâncias espantosas com relatos orais e mesmo de escritos antigos, dos evangelhos canónicos mas também de historiadores ancestrais como o próprio Flávio Josefo, levaram a maior parte dos estudiosos a concluir que existe de facto um substrato histórico sólido para sustentar a existência de Jesus Cristo, um rebelde Judeu, que liderou uma insurreição na antiga cidade de Jerusalém contra os sacerdotes do Templo e contra Roma. Mas quem foi na realidade Jesus Cristo da Nazaré?
Nada escrito sobre o seu aspecto, por exemplo, sobreviveu ao tempo. É normal nos relatos antigos daquela época não se perder muito tempo com as características físicas dos heróis. As histórias, mesmo as verdadeiras, serviam sobretudo para inspirar, para fazer pensar e moralizar, como se fossem uma lição de virtudes, do que está certo e devesse ser imitado. Numa época em que a miscegenação entre raças era praticamente inexistente, as pessoas eram muito iguais fisicamente, poucos aspectos as distinguiriam. O facto de não ter sido dada relevância ao aspecto de Jesus Cristo nos escritos sustenta a tese de que o herói da Bíblia teria um aspecto bastante mundano e normal para a época; parece pouco credível que caso fosse loiro, ou de aspecto fora da norma contemporânea da altura que isso de alguma forma não fosse registado e transmitido através de gerações. Muito provavelmente Jesus teria o aspecto de um Judeu normal, um rosto que se perderia na multidão. Nariz grande, crânio alargado, olhos afastados, pele escurecida pela agressão do sol e envelhecido para a sua idade, 33 anos ao dia da sua morte. Muito diferente seguramente das imagens dos ícones ocidentais, e da versão ocidentalizada da face de Jesus que entretanto se popularizou até aos dias de hoje.
Durante a sua curta vida, Jesus da Nazaré foi um pregador, mais do que um revolucionário. Ao contrário de Maomé, que foi sobretudo um chefe militar, Jesus foi um líder inspirador, um visionário, que falava aos seus seguidores de um mundo onde o respeito pelo próximo, a tolerância, a paz e a justiça seriam a norma, em profundo contraste com o mundo real em que vivia. Jesus liderou uma revolta silenciosa contra o poder vigente, contra a corrupção e a hipocrisia dos dignatários do templo, eles em particular que eram motivo de embaraço e vergonha para todos os Judeus. Pouco tempo antes da sua morte, na altura da Páscoa, data em que se celebra a fuga dos Hebreus do Egipto, Jesus da Nazaré entra no templo resolvido a enfrentar os sacerdotes, tal como reza a lenda, pela porta sul, montado num burro. Tudo isso seria uma afronta propositada que certamente lhe custaria da vida. As razões porque o fez são motivo de muito debate, bem como a alegada traição de Judas, que nunca terá existido, muito pelo contrário. Jesus da Nazaré terá se suicidado, entregando-se de propósito nas mãos das autoridades do templo, pela mão do seu grande amigo Judas Escariote, a pedido do próprio Jesus. A sua morte seria um exemplo, tal como em todas as boas histórias com a missão de inspirar, comover e mudar o mundo. Sacríficio e mito. Morte e mensagem. Na cruz, Jesus diz: “Perdoai-lhes pai, que eles não sabem o que fazem”. E a humanidade, que não sabe o que faz, foi por fim perdoada e absolvida dos seus pecados.
Alguns estudiosos colocam a hipótese de Jesus Cristo não ter sido um, mas centenas de homens. De ter sido por isso um símbolo, uma personagem mitificada de todos os “Khristós” que deram a sua vida por um mundo mais justo, todos os revolucionários Judeus utópicos e sonhadores que a história acabaria por apagar mas que alguém resolveu imortalizar para sempre numa mensagem de paz e tolerância nos longos anos de guerra e morte na Jerusalém de há 2000 anos. Ou por outro lado, terá existido de facto um homem, muito diferente da imagem popularizada pela nossa cultura Cristã, que terá sido executado num baldio fora das muralhas da cidade na altura da Páscoa por volta do ano 33 da nossa era. Um rebelde inconformado, mais um que a história apagaria, caso dele não se tivesse, um pouco inexplicavelmente até, guardado memória. Não existe nenhum registo Romano correspondente a Jesus Cristo, e os primeiros relatos sobre ele começam a circular e a ser escritos cerca de 70 anos depois dos eventos retratados na Bíblia. A fé Cristã nasce ancorada numa figura ímpar na história da humanidade; um homem simples que travou uma luta impossível, pacífica e altruísta, em certa medida suicida em nome da justiça, da paz, da igualdade entre os homens, da tolerância, contra a pobreza e a indigência, em favor dos mais fracos e oprimidos. Uma mensagem que mesmo nos dias de hoje é actual e pertinente.
Um grande número de historiadores contemporâneos não põe em causa a existência histórica de Jesus de Nazaré, o homem provavelmente crucificado no dia de Páscoa do ano 33 DC, após uma pequena e breve rebelião contra Roma e os sacerdotes do templo, mas sim a narrativa criado em seu redor. A quase totalidade dos feitos atribuídos a Jesus Cristo, e mesmo aspectos relevantes da sua vida narrados nos escritos antigos possuem uma estranha e perturbadora correspondência com a divindade Hindu Krishna, um avatar do deus Vishnu, retratada como uma criança divina, comendo manteiga enquanto toca a sua flauta encantada. Krishna nasceu de uma mãe virgem, Devaki, por volta do ano 3228 AC. Durante a sua vida costumava curar doentes, caminhar encima da água e também ele lutou uma luta impossível de ser ganha contra os demónios e o mal, eu nome dos seus Deuses Cósmicos, Vishnu e Brhama. O culto de Krishna seria na altura bastante popular entre os mercadores Hindus frequentadores da cidade mítica de Petra, no deserto da Jordânia, um importante ponto de trânsito de culturas, de histórias e lendas. Poderá a narrativa milenar de Krishna e Vishnu ter inspirado quem um dia quis contar a história dos eventos passados em Jerusalém entre 6 e 37 DC? Uma história de um simples homem, ou homens, com um coração maior do que o mundo…maior do que qualquer lenda ou história poderia retratar. Um ser divino na eterna luta contra o mal, tal como Krishna, a criança enviada para libertar o mundo dos seus demónios, também ele prometendo a salvação dos homens.
Provavelmente, Jesus Cristo não foi o homem retratado na Bíblia e na totalidade dos Evangelhos. A personagem da Bíblia e a figura central da fé Cristã, com muita probabilidade é uma construção, uma crença mais forte do que qualquer demónio, desde que acreditemos, desde que tenhamos o coração escancarado a uma paixão e a um sofrimento indizível, impossível de ser humano de tão puro, e por isso realmente mítico e sagrado. É essa a chave da religião Cristã. A sua paixão e compaixão. A história intemporal da luta do espirito contra a maldade, a mesquinhez, o medo e a injustiça, uma história que começa dentro de nós e que imediatamente sentimos como nossa, no nosso próprio diálogo particular com Deus. A história de um homem carregando uma mensagem de profunda espiritualidade e sublimação, que nos toca profundamente, fazendo-nos sentir estranhamente amparados, subitamente não tão sós ou abandonados já que alguém por nós espiará os nossos pecados, medos e fraquezas.
Essa sim, é a verdadeira história de Jesus da Nazaré.