A 2ª Lei da Termodinâmica

A 2ª Lei da Termodinâmica

Share

As flores murcham, a fruta apodrece no chão, perto da árvore que um dia perderá todas as suas folhas e acabará seca e morta também, você que lê estas linhas também morrerá um dia, tal como eu e todos os seres humanos, o nosso sol apagar-se-á também lentamente numa gigante vermelha, até eventualmente encolher numa anã branca, fria e triste, suspensa no escuro eterno do espaço. O próprio universo, que até agora se expande acelerando vertiginosamente, arrefecerá inexoravelmente até que subsista apenas uma poeira nuclear, destinada também ela a desaparecer para sempre. Tudo um dia vai ter de acabar. Mas porquê? 

É um dos mais perturbadores mistérios da Física, que até agora ilude as mentes mais brilhantes que se têm debruçado sobre o assunto. Parece haver uma espécie de lei universal, a 2º Lei da Termodinâmica, que mais parece uma fatalidade: há medida que o tempo passa, tudo tende para a desagregação, para uma desordem a que corresponde um estado de energia sempre inferior ao anterior. A isto os Físicos deram o nome de “a seta do tempo”,  já que se constata que com o passar do tempo, e da expansão do universo, os sistemas naturalmente evoluem para estados de energia sempre com um nível de temperatura inferior. Porque tudo arrefece? Que mecanismo obscuro determina que o universo imponha a toda a matéria este estranho destino? Desde há muito que os Físicos observam o comportamento dos gases, em particular os sistemas físicos distribuídos no vácuo, e observam sempre o mesmo comportamento: o sistema lentamente, mas inexoravelmente, evolui para um estado mínimo de temperatura, desagregando a sua estrutura e desordenando-se espontaneamente.

As sondas como o WMAP ou a Plank, confirmaram várias suspeitas antigas acerca da evolução da temperatura do Universo desde a sua criação. Adivinhem…tem estado a arrefecer. Vivemos num sítio de temperaturas amenas, o planeta terra, mas lá fora está um frio de rachar: para lá da órbita terrestre ronda uma temperatura de cerca 2.7 K, e parece certo que baixará um dia até perto do zero absoluto, e nessa altura algo de muito desolador e estranho acontecerá. Para um sistema produzir trabalho, por exemplo um organismo vivo, tem forçosamente de transitar temperatura para um valor mais baixo; isto aliás é o princípio do motor térmico: da diferença de temperatura entre as partículas à entrada do sistema, com a temperatura à saída, extrai-se força por unidade de tempo, ou seja, trabalho. Tudo na natureza produz calor e energia desta forma, elevando o sistema até um estado de energia superior, deixando depois que o universo traga de novo o sistema ao equilíbrio, ou seja, ao seu estado de energia mínimo. O nosso carro queima gasolina, elevando a temperatura nos pistões, o universo reage transferindo energia (e temperatura) para o êmbolo, pondo o carro em marcha. Comemos uma maçã que possui ligações covalentes electrónicas de carbono de elevada ordem; o nosso fígado e células, quebrando essas ligações, elevam a temperatura do sistema, forçando depois o universo a transferir esse calor para os nossos tecidos, produzindo energia para andarmos, respirarmos e nos aquecermos. Mas é assim por todo lado, tudo respeita o mesmo padrão, tudo sem excepção, mas o porquê de assim ser ninguém sabe, simplesmente se sabe que é. Se um dia num futuro muito distante o universo atingir o zero absoluto (abaixo dos -270 graus centígrados), um valor teórico que não se sabe se alguma vez poderá ser atingido, então todas as trocas energéticas terão de parar, e os sistemas deixarão de poder produzir energia útil. O Universo terá enfim atingido o seu estado de perpétuo equilíbrio, o seu estado de desagregação máxima e energia mínima. Um ser humano mesmo para pensar, precisa de produzir trabalho, porque o nosso cérebro consome energia para fazer fluir os minúsculos impulsos eléctricos que permitem a consciência e a inteligência. Depois do zero absoluto é o fim da inteligência, da imaginação, da criação e do amor.

O verdadeiro fim.

Os físicos chamam a isto a Lei da Entropia: No universo, não se sabe porquê, mas tudo, mas mesmo tudo, tende para a desordem. Pensa-se que, de uma maneira que ainda não se compreende, isso terá uma relação com o próprio tempo, e uma conexão ainda mais obscura e misteriosa com a gravidade. No passado longínquo do início do tempo, na época do Big Bang, o Universo estaria num estado de simetria absoluta, mas extremamente instável, que se quebrou expontaneamente, expandindo o espaço e o tempo. A força da gravidade desde então contraria essa expansão, actuando como uma pressão no vácuo que tende a agregar a matéria, permitindo estruturas mais complexas, de temperatura mais elevada, como as estrelas e buracos negros. A gravidade não pode portanto, literalmente, ser deste Universo, porque actua como uma estranha força exógena ao sistema, não-entrópica, que permite complexidade e estruturação. Num sentido profundo que perturba desde há muito os físicos, a gravidade parece ser a única explicação para a existência das estrelas, dos planetas e em última análise da vida e de nós mesmos. Mas porquê? De onde vêm então a gravidade? Teorias de grande complexidade como a Teoria das Cordas ou a Gravitação Quântica em Loop proponhem-se desvendar este profundo mistério, unificando a gravidade com as outras três forças fundamentais: Força Forte, Fraca e Eletromagnética, Mas este já de si profundo enigma esconde outros ainda mais insondáveis. O que levou por exemplo o Universo aquele estado inicial de grande simetria e temperatura quase infinita? E que processo físico governa verdadeiramente a expansão do universo e a passagem do tempo? Seja lá o que for, está a escoar a energia inicial do Cosmos, transferindo-a para o vácuo e desagregando a matéria no universo. O próprio conceito de tempo está relacionado com a diminuição da temperatura, e o tempo passa como passa porque o universo se expande e a entropia aumenta gradualmente. Não existe propriamente nenhuma razão plausível para isto ser assim e não ser de outra forma. Toda a física actual, pelo menos no seu presente estado de desenvolvimento, permite um universo em que os sistemas não aumentem espontaneamente a sua entropia, ou em que a confusão aumente exponencialmente com a expansão do espaço. Simplesmente se observa que acontece sempre assim.

Se voçê que lê estas linhas se meter numa câmara perfeitamente hermética, completamente isolada do espaço exterior e por exemplo suspender as suas funções vitais, acredite, mesmo assim, vai acabar por morrer e apodrecer. Não porque algum processo reactivo do seu corpo com a câmara por exemplo assim o determine, ou porque alguma química estranha o corroia de dentro, mas porque o próprio espaço, o próprio vácuo onde o universo se expande, e por isso você também, o vai eventualmente arrefecer de tal forma que a matéria que o compõe se começará a desagregar. A sua temperatura retornará ao vácuo e o seu corpo irá se decompor numa fina poeira confusa, inerte e fria. É o próprio Universo que o vai matar. Quer ver a 2ª lei da termodinâmica a funcionar? Páre. Sente-se numa cadeira sem dizer uma palavra ou fazer um gesto. E deixe o tempo passar. À sua volta vai ver a roupa a ficar desarrumada, o pó se depositar nas frinchas das portas e sobre os móveis, as plantas murcharem, o metal das suas joias enferrujar, as janelas ficarem mais baças, novos cabelos brancos nascerem na sua nuca, os dias passarem e o mundo apodrecer lentamente. Quase sem perceber irá testemunhar o princípio cósmico obscuro do aumento da entropia em primeira mão. Com o tempo, a confusão e a desordem do seu mundo irão aumentar.

Daqui a biliões de biliões, de biliões, de biliões de anos o universo terá se expandido tanto e de tal forma que atingirá o zero absoluto. Toda a transformação de energia cessará por completo. Nada será possível nessa era longínqua. Absolutamente nada. A segunda lei da termodinâmica confronta os físicos com o mais arrepiante dos conceitos: o nada. O que é não ser? O que é o fim absoluto da existência e o fim do tempo? Fará esta pergunta sequer algum sentido?

Porque tudo começa e um dia tem de acabar, poderá ser uma das últimas questões com que a civilização humana poderá ser confrontada, antes de explicar tudo.

E talvez sim, nessa altura, teremos chegado verdadeiramente… ao fim.